Projeto traça panorama da comercialização de alimentos agroecológicos na América Latina

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Projeto traça panorama da comercialização de alimentos agroecológicos na América Latina

A comercialização de alimentos agroecológicos se dá principalmente através da venda direta, sem atravessadores entre quem produz e quem consome.

Essa foi uma das constatações do levantamento realizado com 113 famílias agricultoras do Brasil, Paraguai, Equador, El Salvador e México através do projeto piloto Agroecologia na América Latina: construindo caminhos, que tem como objetivo demonstrar, através de indicadores, o que a Agroecologia representa em termos ambientais, sociais e econômicos. Desenvolvida por oito organizações dos cinco países, esta iniciativa envolve agricultores/as familiares que encontram-se em diferentes níveis de transição agroecológica. Além de responder a questionários qualitativos, estas famílias vêm registrando informações sobre cultivos, colheitas e gestão de suas propriedades na plataforma digital LiteFarm.

Técnica de campo do Cepagro conversando com dois agricultores na lavoura

A relação produção-consumo é um dos aspectos que se busca compreender melhor a partir destes indicadores agroecológicos. Com base nas informações colhidas nos dois primeiros anos de projeto, identificou-se que o principal canal para comercialização de alimentos agroecológicos são as feiras, sendo utilizado por 64 das 113 famílias acompanhadas, seguido da entrega de cestas agroecológicas, adotado por 41 famílias.

Segurança para quem produz, saúde para quem consome

Consideradas inovações sociais nos mercados de proximidade, as iniciativas de cestas agroecológicas trazem alguns benefícios em relação às feiras, por haver uma diminuição dos riscos de perdas e do tempo disponibilizado para a venda. Um modelo de comercialização das cestas é a Célula de Consumidores Responsáveis (CCR), tecnologia social desenvolvida no Laboratório de Comercialização da Agricultura Familiar da Universidade Federal de Santa Catarina (LACAF/UFSC) e adotada especialmente por famílias de Santa Catarina.

As CCR se estabelecem a partir da articulação entre grupos de agricultores e grupos de consumidores em uma relação direta e se caracterizam pela comercialização de cestas “fechadas” de alimentos orgânicos/agroecológicos de acordo com a sazonalidade. Os pedidos e pagamentos são realizados de forma antecipada, o que permite aos agricultores a garantia da venda, pois “só se colhe o que está vendido”. A entrega é realizada geralmente em pontos fixos comuns aos consumidores – como universidades, escolas, locais de trabalho, etc.

É assim que cinco famílias de Major Gercino-SC, ligadas ao Núcleo Litoral Catarinense da Rede Ecovida, comercializam juntas sua produção. O grupo abastece atualmente cerca de 85 famílias consumidoras de Florianópolis, organizadas em 4 células de consumo. As cestas são compostas por folhosas, algum tempero, legumes, tubérculos e frutas, variando com a diversidade de alimentos da época. Além disso, toda semana são disponibilizados alguns produtos extras através de uma lista enviada aos consumidores pelo whatsapp, principal canal de comunicação.

João Augusto Batisti, jovem agricultor responsável pela logística de montagem e entrega das cestas junto com o pai, conta que as CCR são uma garantia de remuneração mais justa. “As cestas ajudam muito a gente. Eu acredito que se não fossem as cestas, a nossa venda seria bem menor. Ou até poderia ter venda, mas o preço seria mais baixo para todos os produtores do grupo. Ela é uma vantagem para todo mundo aqui”, conta. Ainda assim, o grupo cogita começar a fazer uma feira em 2023. Isso porque desde o início da pandemia houve uma queda no volume de cestas vendidas semanalmente, especialmente na célula situada na universidade federal, onde a partir da suspensão das aulas o volume de consumidores caiu pela metade e não aumentou mesmo com o retorno das aulas. O aumento das vendas representaria uma redução do custo da logística de entrega, especialmente com combustível.

A célula abastecida pelo grupo de Major Gercino é uma dentre outras 13 células que operam em Santa Catarina. São mais de 45 famílias agricultoras envolvidas na tecnologia social, todas certificadas pela rede Ecovida de Agroecologia. Juntas distribuem semanalmente 530 cestas, totalizando cerca de 17 toneladas de alimentos, que são produzidos a uma distância média aproximada de 150 km de Florianópolis, onde são entregues.

No Paraguai, cestas representam mercado seguro para famílias agricultoras

Já no Paraguai, a articulação entre produtores orgânicos e consumidores é feita pela Associação Paraguai Orgánico (APRO), uma das 8 organizações que compõem o Comitê Gestor do projeto piloto. A APRO nasceu com o propósito de buscar canais de comercialização favoráveis ​​para seus associados, que atualmente somam 250 famílias. Para ajudar nesse processo, desenvolveram a plataforma EcoAgro. É por ali, mas também através do WhatsApp e e-mail que os/as consumidores/as encomendam as cestas semanalmente.

Diferentemente do modelo das CCR, na dinâmica proposta pela APRO os consumidores escolhem a composição de suas cestas a partir de uma lista de produtos disponibilizada a elas. Na lista estão desde produtos in natura, como frutas, hortaliças, folhosas e temperos, até produtos com algum nível de processamento, como farinhas, azeites, sucos, mas também produtos cosméticos, como sabonetes. Feita a encomenda, a APRO se encarrega de recolher os produtos junto aos produtores e entregá-los de porta em porta aos consumidores.

O Coordenador da APRO, Genaro Ferreira, explica que “os benefícios que os produtores recebem com isso são a de um mercado seguro, preços justos e logística grátis”. Genaro comenta ainda que o volume de cestas comercializadas praticamente duplicou desde o começo da pandemia, sendo comercializadas atualmente em torno de 120 cestas por semana.

Vale destacar que este levantamento começou a ser realizado poucos meses após o arrefecimento da pandemia e que, quando perguntadas, a maioria das famílias entrevistadas (66,3%) disseram que a pandemia mudou a importância dos mercados locais. Para 85% delas, os mercados locais ganharam importância e apenas 15% os avaliaram como menos importantes.

Alimentos agroecológicos como moeda de troca

Outra forma de comercialização direta são as trocas, realizadas por 25% das famílias que participaram do levantamento. Baseadas nos princípios da economia solidária, e tendo a produção familiar como principal moeda de troca, esta forma de comercialização é adotada especialmente por agricultoras/es do Equador, sendo praticada por 13 das 16 famílias entrevistadas no país. Quem realizou o levantamento no Equador foi o Movimiento de Economía Social y Solidária del Ecuador (MESSE).

Rosa Murillo, que além de dinamizadora do MESSE é agricultora agroecologista, conta que os trueques são uma tradição ancestral que se realiza entre comunidades, organizações e famílias. “É uma prática de reciprocidade onde o valor do dinheiro não existe. O produto perde seu valor monetário porque o que se prioriza é a necessidade. Por exemplo, troco um coelho por queijo, mandioca, fruta ou peixe. Monetariamente podemos dizer que o coelho custa mais caro, mas não é assim, na troca a necessidade da pessoa ou família é o que predomina e essa é a chave”.

Este tipo de escambo acontece tanto nas próprias fincas familiares, entre vizinhos e amigos, quanto em feiras, que podem ser semanais ou especiais. Estas últimas acontecem com menos regularidade e mobilizam pessoas de diferentes regiões que se organizam coletivamente para vir da serra para a costa e vice-versa. Segundo Rosa, as feiras especiais de troca mobilizam em média 300 famílias. Em geral, cada uma delas troca um volume aproximado de 40kg de alimentos frescos e processados.

Rosa conta ainda que apesar de representar uma cultura ancestral, os trueques têm sido invisibilizados. Um dos propósitos do MESSE é difundi-lo a fim de promover a diversificação da dieta alimentar das famílias. Além disso, “é uma atividade que fomenta as relações entre comunidades e diferentes povos, como indígenas, afrodescendentes e montuvios, e é uma forma de resistir a todo o capitalismo que se faz cada vez mais presente”.

Apesar de ser mais difundida no Equador, agricultores/as do Paraguai, México, El Salvador, Santa Catarina e Bahia também são adeptos desta prática.

Atravessadores são minoria na comercialização de alimentos agroecológicos

Outros canais de comercialização identificados no levantamento foram os restaurantes, que figuram como clientes de apenas 8% das famílias entrevistadas e os supermercados, que representam uma parcela ainda menor, com menos de 6% das famílias comercializando para este tipo de empreendimento. Enquanto atravessadoras, as lojas especializadas são uma opção de venda para 15% das famílias participantes do projeto. Veja outros canais de comercialização no gráfico abaixo:

Considerando que 87 famílias agricultoras, ou seja 77% das entrevistadas, lidam diretamente com consumidores, buscou-se compreender também como eles/as avaliam esta relação, pedindo para que apontassem o principal benefício percebido. A confiança foi a resposta de 51 famílias, conforme o gráfico abaixo:

A resposta de um agricultor salvadorenho ilustra essa percepção, ao dizer que o contato direto “ajuda muito porque o consumidor sabe como os cultivos estão sendo manejados e sabe o que está consumindo”. Também nota-se que a comunicação direta com quem consome tem potencial de influenciar nas decisões de manejo e produção. Um dos agricultores orgânicos do Paraguai responde que quando há uma proximidade com os consumidores “há maior pressão sobre o produtor e também exige que sejam produtos de boa qualidade. Eles são direcionados para o que produzir de acordo com os pedidos”. Relato semelhante ao de um agricultor de Santa Catarina ligado à Rede Ecovida de Agroecologia: “Influencia a tomada de decisão do que vamos semear. Plantamos coisas que têm maior aceitação”.

Para além dos indicadores relacionados às comercialização, o projeto desenvolve outros nove indicadores divididos em três eixos – econômico, social e ambiental – que foram identificados em um processo participativo com o Comitê Gestor do projeto, formado pelo Cepagro, CETAP e Movimento Mecenas da Vida (Brasil), APRO (Paraguai), MESSE (Equador), Fundesyram (El Salvador), Centro Campesino para el Desarrollo Sustentable A. C. e Rede Tijtoca Nemiliztli (México). A definição dos indicadores também usou como base os planos de manejo de Sistemas Participativos de Garantia (SPG) existentes nos países membros, bem como a viabilidade de coleta de dados junto aos/às agricultores/as participantes e no interesse das organizações em temas particulares.

O projeto Agroecologia na América Latina: construindo caminhos conta com o apoio da Fundação Interamericana (IAF) e é desenvolvido em parceria com a Dra. Hannah Wittman, professora e pesquisadora do Centro para Sistemas Alimentares Sustentáveis da University of British Columbia (UBC), do Canadá.

* Fonte: Cepagro


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